Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Ventura García Calderón - Natal Socialista

E agora, que tal misturarmos o tema natalino com o da apologia aos felinos? Foi o que fez o escritor, diplomata e crítico Ventura G. Calderón, peruano de origem, mas que viveu a maior parte de sua vida em Paris, França.

E ele, com muita graça, remontando à cena da natividade, naquele acanhado estábulo, nos surpreende com uma lição que o gato da historinha teria aplicado à tenra e divina criança: a de que o mundo é um campo aberto para a dor.

J.A.R. – H.C. 
Ventura G. Calderón
(1886-1959)

Navidad Socialista
Para mi gato negro.

No lo refiere el Evangelio pero graves autores lo comentan y yo creo a pie juntillas en la Navidad distributiva. Porque la providência del Señor no podía tolerar favoritismos en aquella fiesta de los humildes que verán a Dios.

Todos los animales tripulantes del arca asistieron, pois, al bautizo llevando escritos en el pecho los eternos números que les fijara em tiempos muy remotos el protocolo de Noé. Las bestias fieras y las mansas desfilaron por la puerta de aquel establo em ruínas. Claro está que no todas pudieron llegar hasta la cuna: los elefantes se limitaron a danzar en la puerta como en los circos y las jirafas asomaban por el techo sus ojos de vírgenes. Pero muy cerca de la cuna un arcano zureo de palomas indicaba las horas como en los viejos relojes románticos, el buho oscilaba su péndulo gris y bruscamente la cauda fabulosa del pavón reverberó en la ventana como un crepúsculo bárbaro.

Mientras tanto por una oquedad de aquella choza de donde subían al sol los vahos tibios del establo, asomaba una cabeza negra de mostachos blancos. Era el gato de la vecindad acudido a la algazara y ya dispuesto a asistir con indolência, desde la más cómoda viga, a la fiesta ajena. Sin duda hubiera demorado allí su pereza de fatalista si un rayo de luz no encendiera el amuleto que ingenuamente, había colocado Baltasar en las manos del niño divino. De un brinco prodigioso saltá a la cuna de paja y su espléndida garra dejó en la palma de Jesus – profético estigma de los clavos –, cinco gotas de sangre.

Volvió Ia madre el rostro de Madona de Luini, exhaló un leve grito y ya iba a coger ia vara de lirios del Esposo para azotar al mostruo diminuto, cuando San José que viera la sonrisa indulgente del niño, San José que todo lo comprendía y lo excusaba – pues por algo es el patrono de los maridos – murmuró gentilmente:

– Bienaventurado seas, hermano gato, porque le has ensenado el dolor.


Madona do Jardim das Rosas
ou Madona de Luini
(Bernardino Luini: 1510)

Natal Socialista
Para meu gato negro.

Não o refere o Evangelho, mas autores sérios o comentam e eu acredito de pés juntos no Natal distributivo. Porque a providência do Senhor não poderia tolerar favoritismos naquela festa dos humildes que verão a Deus.

Todos os animais tripulantes da arca assistiram, pois, ao batizado levando escritos no peito os eternos números que o protocolo de Noé lhes fixara. Os animais ferozes e os mansos desfilaram pela porta daquele estábulo em ruínas. Claro está que nem todos puderam chegar até o berço: os elefantes se limitaram a dançar na porta como nos circos e as girafas assomavam pelo telhado seus olhos de virgens. Mas muito próximo do berço um arrulho arcano de pombas indicava as horas como nos velhos relógios românticos, a coruja oscilava o seu pêndulo cinza e bruscamente a cauda fabulosa do pavão reverberou na janela como um crepúsculo bárbaro.

Enquanto isso, por uma cavidade daquela cabana, por onde subiam ao sol os vapores tépidos do estábulo, aflorava uma cabeça negra de bigodes brancos. Era o gato da vizinhança acudido à algazarra e já disposto a assistir com indolência, desde a mais cômoda viga, a festa alheia. Sem dúvida que ali teria se demorado em sua preguiça fatalista, se um raio de luz não acendesse o amuleto que Baltasar havia colocado nas mãos do divino menino. De um pulo prodigioso saltou até o berço de palha e sua esplêndida garra deixou na palma de Jesus – profético estigma dos cravos –, cinco gotas de sangue.

Volveu a mãe o rosto de Madonna de Luini, emitiu um leve grito e já ia tomar a vara de lírios do Esposo para importunar o diminuto monstro, quando São José, que vira o sorriso indulgente do menino, São José que tudo o compreendia e o escusava – pois por algum motivo é o patrono dos maridos – murmurou gentilmente:

– Bem-aventurado sejas, irmão gato, porque lhe hás ensinado a dor.

Madona e o Menino com Sant’Anna
ou Madona da Gata
(Giulio Romano: 1523)

Referência:

CALDERÓN, Ventura García. Navidad socialista. In: __________. Obras escogidas: Cantinelas Prólogo, selección y notas de Luis Alberto Sánchez. Lima (PE): Ediciones Edubanco, 1986. p. 358-359.

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